terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

CONTOS DO VELHO ROQUEIRO: CONVERSANDO COM UM CADÁVER...

CONVERSANDO COM UM CADÁVER... (POR DENIS MENDONÇA)


CAPÍTULO I


O cenário é a cidade de São Paulo, com sua arquitetura urbana recheada de prédios, casas, ruas, avenidas, viadutos, becos, lixo, poluição e violência...
A chuva se abate pelo concreto frio dos prédios, numa dança alucinante de trovões, relâmpagos e ventania...
Há nela todo tipo de pessoas, toda raça, todo credo, bons, maus e loucos convivem nesta paranóica cidade.
Mas de todas as pessoas que nela vivem, destaquemos uma em especial, um garoto, com seus 15 anos de idade, estatura mediana de 1,60m, magro, cabelos pretos e cumpridos abaixo da orelha, olhos grandes, pretos, estudante da 8ª Série, chamado Bernardo Gusmão.
Bernardo é um garoto complicado, tem muitos problemas, tanto internamente como externamente, sua única fuga é o cemitério... que fica próximo à sua casa. Pois é lá que seu irmão Bartolomeu Gusmão, um soldado do Exército Brasileiro, morto na Guerra do Golfo Pérsico, está sepultado.
E à sombra de sua lápide, o garoto Bernardo, conta seus problemas, esperando por um auxílio que nunca virá... Mas mesmo assim, todos os dias depois da aula, ele leva flores ao seu túmulo.
Bernardo, perdeu seu pai dois anos após seu nascimento, seu irmão, que era uma fonte de inspiração, também faleceu e Bernardo só tinha 13 anos.
A mãe de Bernardo, Dona Rosa, uma viúva de 36 anos de idade, pois casara-se muito cedo, após a morte de seu marido e do seu filho mais velho, encontrara Devair, um caminhoneiro, moreno, alto, galanteador e cafajeste e foi aí que os problemas começaram.

CAPÍTULO II


Dona Rosa, apesar de ser uma linda morena, não sabia ler, nem mesmo, seu nome sabia escrever e tinha uma certa inocência. Devair soube aproveitar-se dela, cantou-a e três meses depois, já mudara-se para a casa de Bernardo e de sua “amada” Rosa.

No começo ele se comportara muito bem, mas a partir do 5º mês de convívio com a família Gusmão, Devair, já se achava o dono da casa, chegava bêbado, chutava o cachorro, batia em Dona Rosa, grávida de três meses e espancava Bernardo, com a alegação de que era ele que sustentava a casa e tinha o direito de fazer o que quiser.





Na escola Bernardo também era maltratado pelos colegas de classe. Todos os dias, na hora da saída, havia uma briga envolvendo Bernardo como vítima. Os que sempre batiam nele, eram “Maumau”, um gorducho de 15 anos, cabelos louros, folgado e invejoso; “Patife”, um moleque sardento de 14 anos, ruivo, que fazia tudo o que Maumau mandava e Dalton, que não concordava muito com o que Maumau e Patife faziam, mas mesmo assim ajudava a bater no garoto. Por fim, o único lugar onde Bernardo encontrava a paz era na sombra solitária do mausoléu do seu irmão no cemitério... Bernardo ia para lá após a aula e ficava até o cemitério fechar.

Um dia, ao sair, ele viu um homem (negro e alto, aparentando 36 anos), que não era o coveiro, nem o zelador, colocando umas pedras esquisitas e transparentes, em volta do cemitério, ficou curioso, mas já era tarde e resolveu ir para a casa.

Mas se Bernardo fosse mais observador ele teria visto também, do lado de fora, um dos homens mais conhecidos e mais procurados da cidade. Um homem com jeito de empresário de uma grande multi - nacional, um homem chamado Nicolai Silva Mendel, um político amargurado e frustado, que perdia todas as eleições que disputava e com isso perdeu também todo o seu dinheiro, ficara louco e foi internado num manicômio, Mendel, tinha sede de poder e um amigo fiel, o pai de santo “Cabloco Moçambique” (negro, gordo de estatura mediana, 1,60m). O Cabloco, libertou-o de sua prisão de delírios e prometeu que juntos eles iriam “dominar o mundo”. O Caboclo, era fiel, mesmo após ter sido traído por Mendel, numa denúncia de utilizar crianças para rituais satânicos. O Cabloco, amargurou dois meses na prisão, mas foi solto por falta de provas.





CAPÍTULO III

E na residência de Gusmão...

A coisa continuava a mesma, Devair e Dona Rosa discutindo, cachorro latindo. Bernardo entra, correndo, sobe as escadas e se tranca em seu quarto, pega os gibis do METEORO, para ler, ele queria ser como ele, ser forte, poder voar, ter amigos que gostavam dele, ter uma garota que gostasse dele.

A noite chega e Bernardo adormece...

De manhã, na escola...

Aquela mesma coisa de sempre, mas hoje, algo estava diferente, o dia estava diferente, o sol parecia mais vivo, as nuvens pareciam feitas de algodão, os pássaros, cantavam com mais firmeza, Bernardo estava feliz.

Na classe, quando chegara, sentara-se em sua mesa, Maumau, o encarava feio, mas isso não interessava, Bernardo estava feliz; a professora chegou e ao seu lado, estava uma menina linda, loira, de cabelos encachiados e um corpo de dar inveja às outras meninas da turma.

A professora a apresenta como Cilene, ela veio de São Caetano do Sul, à pouco e transferiu-se para a escola local. Depois das explicações a professora pede para que Cilene, sente-se atrás de Bernardo. Maumau, está babando por Cilene, levanta-se de sua mesa e arranca Bernardo da cadeira, jogando-o no chão, Cilene se assusta, a professora vê a cena e age, mandando-o para a diretoria. Cilene ajuda Bernardo a se levantar, Maumau vê a cena e fica com mais ódio ainda.

Na hora do intervalo....

Maumau e sua turma se juntam para pegar Bernardo, fazem uma roda em sua volta e começam a esbofetia-lo, Cilene vê o que estão fazendo com o coitado, chama o inspetor e salva Bernardo de Maumau.

Maumau, na cara de pau, diz que fez aquilo por Cilene.

Mas Cilene, responde que nunca se apaixonaria por um garoto, bobo, gordo balofo e retardado como ele. Conclusão, os três foram suspensos e quando saem da diretoria, vêem Cilene dar um beijo no rosto de Bernardo...Maumau fica irado e diz à si mesmo que daquele dia Bernardo não passava.


CAPÍTULO FINAL

Na hora da saída... Cilene despede-se de Bernardo, novamente com um beijo, Maumau e sua turma estão à espreita...Bernardo, como sempre, segue seu caminho até o cemitério central e Maumau e sua turma estão logo atrás...

Bernardo, chega ao cemitério e toma a direção para o túmulo, Maumau e sua turma, vêm logo atrás e Mendel e o Cabloco Moçambique, junto com seus asseclas, entram na mesma hora.

As horas passam, naquele dia, Bernardo esquecera das horas, ele estava feliz, contava ao seu irmão sobre Cilene, como ela o havia defendido...contava que estava apaixonado...

O coveiro e o zelador, fecharam as portas do cemitério, sem perceberem os intrusos...

As horas passam, já são 22:00 h e Bernardo continua a conversar com seu irmão...

Maumau e sua turma, excitados pela cocaína que cheiraram até o momento, vêm ao encalço de Bernardo.

Naquele momento, Cabloco e seus asseclas, começam a entoar cânticos estranhos, satânicos, numa lingua há muito esquecida, os asseclas de Moçambique, agarram Mendel, que não entende nada e está estarrecido de medo, o motivo é que Moçambique, não esqueceu-se da traição do amigo...

E do outro lado... Maumau e sua turma cercam Bernardo...

Maumau, puxa uma faca e diz que vai mata-lo por Bernardo ter se engraçado com sua garota...

Bernardo ainda pede para não o machucarem, mas a cocaína que corre em suas veias falou mais alto. Bernardo é retalhado da linha do abdome até o pescoço... e cai inerte, jorrando o líquido escarlate por todos os lados.

Os cânticos agora tomam mais intensidade, as pedras colocadas em pontos estratégicos iluminam-se e formam uma estrela de David invertida.

Ruídos começam a emergir de todos os cantos, mãos saem da terra, corpos pútridos começam a se movimentar, o túmulo de Bartolomeu Gusmão racha-se ao meio... Maumau, pela primeira vez sente medo, o cadavérico Bartolomeu sai em seu encalso, Maumau e sua turma saem em disparada, Patife e Dalton pulam o muro, mas Maumau, não consegue e é agarrado pelo cadavérico ser, que destroça totalmente seus membros e seu corpo cai sem vida no duro chão... Bartolomeu, ainda não terminou sua missão, o morto arranca o portão do cemitério e sai para as ruas... outros o seguem...

No outro lado...

Os mortos devoram o corpo de Mendel alucinadamente...

Enquanto isso...





O cadáver Bartolomeu, segue pelas ruas e chega até a casa dos Gusmão, que arrebenta a porta e encontra Devair espancando sua mãe, Dona Rosa, que quando o vê começa a gritar e desmaia. O pútrido Bartolomeu agarra Devair que começa a gritar e a espernear e por fim desmaia. O morto o carrega, desmaiado, até o cemitério, onde encontra seu irmão Bernardo, em pé e ensangüentado, com suas tripas pendentes, os dois se abraçam e entram, os dois, no túmulo, carregando Devair, desmaiado... Os tambores e os cânticos cessam, a estrela se apaga, os mortos caem imóveis no chão e as lápides, como que num passe de mágica, voltam ao seu estado normal, o Cabloco Moçambique teve a sua vingança... mas há que preço?

No dia seguinte, as pessoas, que saíram nas ruas encontraram, vários corpos pútridos no asfalto, até agora, sem nenhuma explicação. Dalton e Patife, acham que tudo foi alucinação da droga... e Devair grita... Grita...GRITA... Mas as paredes de mármore e concreto sufocam seus gritos. Bernardo, finalmente... encontrou a paz...desta vez eterna...

FIM.


PARA MEUS CAROS LEITORES;

Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com pessoas será mera coincidência. Este conto foi escrito exatamente em São Paulo aos 28 de outubro de 1.996, o meu recado, é apenas mostrar fantasiosamente, que o mundo gira e que nunca podemos dar as costas para ninguém...NINGUÉM, nem para um morto, o ódio que existe nos personagens é real, as pessoas agem assim, há exceções, mas infelizmente este é o mundo que vivemos hoje, onde mentir, enganar, trapacear, ser melhor que o próximo, competir, impor-se é mais importante que o AMOR, amor isso( é isso mesmo) existe??? Por que as pessoas tem tanto medo de afirmar que amam? Talvez pelo fato do mundo estar mais frio, não... não falo do clima, falo de sentimentos, hoje todos somos máquinas, totalmente substituíveis, até o AMOR é substituível por que “amor não enche barriga”. Fico imaginando o mundo daqui há alguns anos... como será???

Obrigado por terem lido o conto e até a próxima.

Denis Mendonça.

Conversa com o autor E-mail: denisroqueria@hotmail.com.




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